De Santa Cruz a Cochabamba
Estamos preparando a viagem para Cochabamba, fomos comprar
as passagens do ônibus ou “flota”, como dizem por aqui, saímos do agitado
Terminal Bimodal, de onde chegam e partem ônibus e trens em várias direções,
inclusive no rumo do Brasil, até Quijarro ou Porto Quijarro, que fica muito
próximo a Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Pegamos o ônibus noturno assim
chegaremos bem cedo em Cochabamba, que fica a cerca de 400 km de distância de
Santa Cruz pela estrada nova de asfalto.
A partida foi bem agitada e um pouco tumultuada, como quase
tudo por aqui. Sempre tem muita gente por todo lado e a desorganização e falta
de informações claras faz com que o viajante tenha que redobrar sua atenção,
inclusive em relação a sua segurança pessoal e de sua bagagem.
Muitos vendedores ambulantes, principalmente de comidas e
bebidas se misturam aos passageiros e funcionários das empresas de transporte,
facilitando a aquisição de alimentos e atrapalhando o deslocamento das bagagens
e passageiros embarcando e em trânsito, mas as coisas fluem desse modo na
Bolívia e se você quiser viajar com tranquilidade, segurança e conforto, vá de
avião ou não vá.
A viagem foi tranquila, poucas paradas, quase nenhum frio e
o ônibus lotado com pessoas dormindo no corredor. Chegamos em Cochabamba ao
clarear do dia, assim pudemos ver as milhares de casas que aos poucos ocupam
todos as montanhas em redor da vasta cidade.
Cochabamba sempre foi um lugar importante por apresentar
imensas planícies férteis em meio a uma extensa região de cordilheiras, esses
vales sempre foram usados para a produção de alimentos e Cochabamba pode ser
considerada como um dos mais importantes celeiros da Bolívia. A principal
atividade econômica continua sendo a agricultura, desenvolvida pelas famílias e
comunidades locais, que cultivam centenas de diferentes espécies de valor
culinário.
Mulheres vendendo duraznos (pêssegos)
Assim, existe uma predisposição de se ocuparem as encost eas
de morros para que se conserve um pouco da planície e também pelo alto valor
dos terrenos uma vez que a cidade tem se desenvolvido muito nos últimos anos. O
comércio de produtos variados, desde produtos agrícolas e condimentos até
eletrônicos, artesanato, vestuário, calçados e todo tipo de coisas, é muito
desenvolvido aqui e ajuda a manter a economia acelerada. O Mercado de La Cancha
é um mercado público gigante, que funciona nos finais de semana, abrange
dezenas de ruas e milhares de pessoas, além de englobar o comércio formal e
ambulante e as muitas galerias e shoppings, tudo formando um bloco
aparentemente infinito de comerciantes e seus produtos.
Comércio e serviços nas ruas de Cochabamba
La Cancha tem sido apresentado como o principal atrativo
turístico da cidade e fomos lá no sábado à tarde para conferir e documentar.
Realmente, ficamos surpresos e fascinados, passamos a tarde inteira vasculhando
La Cancha e nem sequer conseguimos ver uma parte significativa do mercado, só
não o documentamos pois ficamos com receio de chamarmos a atenção mais do que
normalmente já fazemos.
Aos olhos dos bolivianos somos gringos, turistas, estrangeiros
e sair em meio aquele caos de dezenas de milhares de pessoas, com equipamento
fotográfico, não nos pareceu uma ideia segura ou sensata. Mas La Cancha pode
realmente ser considerado muito mais que um atrativo turístico: com a
extraordinária diversidade de produtos naturais, artesanais e industrializados
oferecidos, assim como as possibilidades de degustação culinária e
principalmente a diversidade étnica da população local e dos visitantes
regionais, foi até agora um dos pontos altos da viagem.
Estamos a cerca de 2.800 metros de altitude em Cochabamba e
numa região de encontro de ecossistemas amazônicos e andinos, o clima é bem
agradável e não sentimos nenhum efeito nocivo da altitude. A parte histórica da
cidade é muito interessante, especialmente a arquitetura colonial espanhola,
muitos atrativos históricos, culturais e turísticos estão disponíveis na cidade
e em seus arredores.
Vista da Cidade de Cochabamba
Arquitetura espanhola
Viemos aqui para continuar a rota terrestre ao Pacífico e
também para visitar um local especial, Inkallajta, “A Morada do Inca” a maior
ruína incaica da Bolívia e a segunda maior da América, ficando atrás só de
Macchu Pichu, no Peru. Para isso procuramos o Departamento de Turismo e para
nossa sorte, tivemos um amistoso e fecundo encontro com Dom José Cerruto – Diretor
Departamental de Turismo do Gobierno Autonomo Departamental de Cochabamba.
Ele nos recebeu, ouviu nossas propostas de viagem e nos
apresentou uma versão nova das paisagens de Cochabamba, assim como de sua
função geopolítica desde o período da dominação incaica. Passamos mais de três
horas ouvindo atentamente uma série de dados completamente novos sobre tudo,
até sobre a aparentemente consagrada função militar de “Fortalezas” incaicas
como Samaipata ou Inkallajta, que na verdade, conforme Cerruto, seriam centros
de administração do Império Incaico, visando a consolidar e dinamizar a
produção sofisticada de milho e coca, produtos de maior valor que ouro ou
qualquer outra coisa e que mantinham o equilíbrio político e fiscal de todo o
império.
Também seriam centros de compartilhamento e de reunião de
etnias provenientes de todas as diferentes e distantes partes do império
incaico, que aqui teriam as condições ecológicas ideais para a exploração de
diversos recursos naturais disponíveis como em nenhum outro lugar da América,
sem falar na fertilidade e no clima perfeito para o desenvolvimento da
agricultura em topografia plana em meio aos Andes, como não existia em nenhuma
outra região do antigo império.
Ficamos impressionados com tantas teorias novas e com a
capacidade de raciocínio e conhecimento teórico e prático de Dom Jose Cerruto,
marcamos uma visita a Inkallajta e fomos aproveitar o tempo para visitar e
documentar um pouco do imenso patrimônio de Cochabamba.
Mario Friedlander