quarta-feira, 9 de março de 2011

Diário de Bordo - 8 de março de 2011

Terça-feira de carnaval é o dia para fazer oferendas a Pacha Mama, carros são benzidos nas igrejas, as lojas fechadas pelo feriado são reabertas pelos proprietários e seus familiares para fazerem as oferendas que são queimadas pelo fogo em pequenas churrasqueiras que todos tem.
 

Estouros de bombinhas mil, todas juntas encerram as oferendas, casas são enfeitadas com flores e tomam banho com baldes, são muitos os tipos e procedimentos para as oferendas, enquanto isso nas ruas, todos os jovens e crianças se mobilizam com baldes de água, bexigas e armas plásticas para jogar água nos passantes, de dentro dos carros, inclusive dos táxis, todas as crianças soltam jatos de água nos desavisados, ninguém reclama, uns fogem, outros revidam com spray de espuma e o clima do carnaval continua positivo, não vimos nenhuma briga, agressão ou xingamento em todos estes dias.
 

Entrevistamos nosso anfitrião, Dom Rene Vergara, proprietário do Residencial Vergara no centro de Oruro, sobre sua real profissão e talento, ele se considera um mineiro com 48 anos de atuação, mas o atual governo desapropriou suas diversas minas e agora ele trabalha com a energia de um mineiro em seu antigo residencial, mas sempre que pode fala com entusiasmo de sua vida nas minas e como agora tudo é mais difícil e sem graça.
 

 Rene Vergara

Saímos para visitar a Mina del Socavon, cuja entrada está no interior da Igreja de la Candelária ou de La Virgen del Socavon e
nos deparamos com um túnel largo que entra muito fundo na terra, nas galerias planas montaram um pequeno museu sobre as minas e depois de visitar a imagem do "Tio da Mina", assistimos uma palestra apaixonada feita pelo guia que acompanha a todos.
 

Mina del Socavon 

Mina del Socavon

Oruro é mais velha que Potosi, aqui começou o trabalho de mineração no que hoje é a Bolívia, aqui chegaram os primeiros negros escravizados, que sucumbiram em pouco tempo ao clima e altitude e aos maus tratos e trabalho insalubre e brutal.

Visitamos a mina e descobrimos com assombro que a partir do interior da Igreja podemos percorrer 250 km de túneis e galerias que se espalham pelas montanhas que circundam a cidade e que hoje são ocupadas pelos bairros da periferia.

De volta à luz e ao frio do dia, vamos entrevistar Fabrizio Cazorla Murillo  um jovem apaixonado pela cultura local, em especial sobre o Carnaval de Oruro. Somos recebidos em sua casa como se fôssemos velhos amigos e sua mãe abre uma garrafa de cerveja local para que brindemos conforme determina a tradição do dia de hoje, só um golinho a Pacha Mama que é jogado sobre o tapete da sala e um meio copo para cada um de nós. Cumprida a tradição, penetramos no universo cultural entulhado de referências de Fabrizio, são artigos científicos, recortes de jornais velhos de todo um século, centenas de discos antigos com as bandas e músicas de todos os carnavais antigos, trajes originais até do século 19, máscaras antigas, fotos e postais antigos, filmes, negativos preciosos de vidro em grande formato, textos elaborados por ele mesmo, enfim, nosso novo amigo detém uma parte importante, senão a maior da história do Carnaval de Oruro e sente grande prazer em compartilhá-la.
 

Fabrizio  Cazorla Murillo


  Capa de disco antigo do carnaval de Oruro

Lembro de nosso parceiro e consultor na Europa, o Historiador João Lucídio, se ele visse o acervo existente com nosso amigo, mudaria para Oruro para produzir livros e muitos outros produtos contando a história deste patrimônio da humanidade.
 

Finda nossa entrevista, arrumamos as coisas e partimos a La Paz, situada a 237 km em estrada de asfalto de ótima qualidade em terreno nivelado sobre o Altiplano onde a cada poucos quilômetros nos deparamos com pequenas vilas e comunidades de agricultores e criadores de lhamas, carneiros e vacas.
 

Estrada Oruro a La Paz

Estrada Oruro a La Paz

A paisagem muito bela e o clima frio sem exagero, transforma nossa viagem num passeio, cujo final deslumbrante é a chegada a "El Alto", subúrbio gigante de La Paz situada mais abaixo no fundo do vale.
 

Arredores de La Paz

Arredores de La Paz

A descida pelo trânsito tumultuado de La Paz é acompanhada pelas visões impressionantes do crescimento urbano que engoliu todas as escarpas de vale e subiu todas as montanhas, que agora com as chuvas violentas, derrubam centenas de casas sem dó nem piedade.
 

Acima do horizonte, contemplando o caos urbano, o gigante Monte Illimani, com seu topo coberto de neve densa, iluminado pelo pôr-do-sol, nos deixa abismados e felizes por chegarmos a salvo a La Paz.
 

Nevado Illimani 

Nevado Illimani 

Equipe chegando em La Paz

Cansados depois de 12 dias de viagens e do enigmático e impetuoso Carnaval de Oruro, encontramos nosso refúgio silencioso, elegante e aconchegante no Hotel Las Palmas, outro de nossos parceiros que nos acolhe com uma perfeição sequer imaginada.
 

Aproveitamos a noite para comer algo e nos reunirmos longamente com a Giovanna Isabel Gonzales Saracho, nossa inestimável parceira em La Paz, onde tratamos de muitos assuntos que deverão ser encaminhados a partir de amanhã cedo.
 

Assim completamos doze dias de viagem pela Bolívia.


Texto e fotos: Mario Friedlander

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