sexta-feira, 29 de abril de 2011

Dança do Chorado de Vila Bela da Santíssima Trindade, Mato Grosso


DANÇA DO CHORADO 

Também chamada de a “Dança das Cozinheiras”, o Chorado acontecia com freqüência durante qualquer ocasião festiva em Vila Bela e nas comunidades rurais do entorno. Dizem que a incorporação do Chorado, como atividade oficial da Festança, ocorreu a partir de 1982, quando foi criado e estruturado o Grupo do Chorado, inclusive com o resgate de antigas músicas e coreografias.

Modesta dançando Chorado

Gerônima Brito de França, Dona Fia

Pelo menos três visões distintas sobre o Chorado circulam em Vila Bela. A primeira é de que ele era um artifício utilizado pelas escravas que habitavam ou trabalhavam junto às casas dos patrões, para manter os mesmos, mais benevolentes e em alguns casos conquistar através da dança favores especiais, principalmente o perdão ou a diminuição de castigos corporais aplicados em outros escravos. Para ilustrar essa visão, transcrevemos um depoimento de Dona Gerônima Brito de França, Dona Fia “...meus avós contavam que a festa, era uma festa das pessoas negras que começou naquela época (escravidão) que as pessoas negras eram mais massacradas em tudo e por tudo, as mães de família, os pais, as mulheres, elas viam os filhos, os maridos, trabalhando e sofrendo de todo jeito e elas também trabalhavam né, as mulheres, só que elas faziam pra agradar os patrão, aquelas pessoas de dinheiro que eram os chefes, eram mandão. Elas inventavam de dançar fazia aquela mesa bem ajeitadinha pra eles, com comida, como tudo as coisas que eles podiam fazer e quando aqueles patrões chegavam na mesa pra almoçar, aí elas cantavam aquelas músicas bonitas pra eles e dançavam pra lá e pra cá, muitas catavam cafuné na cabeça deles, prá agradá e com isso elas colhiam muita coisa favorável para os maridos e pros filhos, e foi acabando aquele tipo de arrogância, aquele tipo de egoísmo, aquela vida do negro ser massacrado, foi diminuindo, diminuindo, diminuindo...”

Astrogilda Leite de França, a dançarina mais idosa do Chorado

A segunda visão e de que as mulheres que trabalhavam nas festas de santos e na própria Festança, produzindo as refeições comunitárias do povo, não tinham tempo de participar dos festejos e por isso, quando as festas acabavam, elas promoviam o “mocororó” (“a rapa da panela”, “o restinho da rapagem”) ou seja, uma confraternização geral entre as equipes da cozinha, animada pelo Chorado, inclusive com a participação de homens que batucavam, cantavam, dançavam e sapateavam. A bebida do “mocororó” era conseguida através da captura de homens curiosos ou velhos conhecidos que passavam nas imediações das cozinhas ou casas. A captura se dava através da laçada do pescoço do mesmo com um lenço comprido que as mulheres do Chorado sempre têm a mão. O homem é puxado com vigor ate o interior do recinto onde ocorre o “mocororó”, normalmente as cozinhas e varandas internas. Lá ele é cercado pelas mulheres que dançam e cantam “esse irimão (irmão) vai pagar, esse irimão vai pagar”. Se o homem desembolsa algum dinheiro e repassa as dançarinas ele é imediatamente solto e as mulheres cantam “homem que tem dinheiro, deita na cama e carinho nele, carinho nele”. Se o homem se recusa a pagar ou não tem dinheiro elas cantam enfezadas “homem que não tem dinheiro, deita na cama e porrete nele, porrete nele”, e ele é solto e esquecido.

Apresentação do Chorado durante a Festança de Vila Bela
A terceira visão é a de que o Chorado era uma das formas de diversão e integração da comunidade incorporada por todos, homens e mulheres com ritmo mais lento e sensual que animava todos os tipos de festas e celebrações e que agora se transformou num símbolo de manifestação cultural do gênero feminino vilabelense. O Chorado foi recriado através de pesquisas com as mulheres mais velhas e transformado no Chorado atual, folclórico e encantador, incorporando ritmos e músicas do batuque e do tambor.

Jackeline e ao fundo à direita, Dona Andreza

Atualmente, o Chorado está organizado através da Associação da Dança do Chorado de Vila Bela (ADCVB) fundada em 2001, cuja Presidente é Zózima Frazão de Almeida, cantora do grupo e capelona. Abrange cerca de 25 dançarinas, 1 coordenador, 3 cantoras e 2 músicos, utiliza 1 violão e 2 atabaques como instrumentos musicais. A indumentária é festiva, longo vestidos colorido, muitos colares, um lenço comprido, enfeites no cabelo e uma garrafa de kanjinjin para as coreografias dançadas com a garrafa na cabeça. Quase todas as dançarinas são mulheres de meia-idade ou até idosas, não sendo bem vindas as jovens. O Chorado se apresenta em quase todos os eventos públicos que ocorrem na Vila Bela e também, em eventos particulares, podendo ser contratado para isso.

Apresentação do Chorado durante a Festança de Vila Bela

Durante a Festança, o Chorado ocupa uma posição nobre, pois se apresenta no tempo e espaço originalmente destinado ao Congo, ou seja, logo após o final da Missa Solene em ação de graças ao Glorioso São Benedito. Isso gerou uma grande polêmica e um contínuo enfrentamento, principalmente com o Grupo do Congo, que até hoje lamenta o tempo e espaço perdido, alegando que o Chorado não faz parte da tradição devocional e, portanto, não deveria se apresentar no auge da Festa de São Benedito. Alegam ainda, que a apresentação do Congo após a missa, ficou prejudicada por ter menos tempo para a dramatização e também em função do horário ser muito adiantado e o sol estar muito forte, incomodando os festeiros, principalmente os idosos, as autoridades, o público nas arquibancadas e os próprios dançantes que têm que se esforçar mais em função do calor. 

Fonte:
A Festança de Vila Bela da
Santíssima Trindade - Mato Grosso

Mario Friedlander

Inventário Nacional de Referências Culturais

IPHAN
Ministério da Cultura
Cuiabá, Dezembro de 2001











CANTOS DA DANÇA DO CHORADO

LIMA, José Leonildo. Vila Bela da Santíssima Trindade-MT: Sua Fala, Seus Cantos. IEL – UNICAMP. Campinas-SP: 2000.


I
E vem, e vem a barra do dia e vem
E vem, e vem a barra do dia e vem.

Eu peço a Vila Bela licença queira nos dar,
viemos de Vila Bela essa dança apresentar.

Eu falo aos vila-belenses, uma coisa, uma coisa
vou dizer, o carro sem boi não anda, eu não canto sem beber. 

II
Eu tenho um menino dentro do meu coração, Mariá
tanto tempo tá comigo,
nunca fez mal criação, Mariá.
Vai, vai, vai, que eu também vou, Mariá.


III
Jaqueline e Mariana todas têm um parecer, Mariá
Jaqueline tem um jeitinho de botar Marina a perder, Mariá.
Dam, dam, rim, dam, dam.

IV
Entrei de caixeiro saí de sócio,
deitado na cama quebrei
meus ossos, eu posso, eu posso
com mais alguém (bis).

Eu posso, meu bem, eu posso
Eu posso com mais alguém.
Eu posso, meu bem, eu posso
Eu posso com mais alguém. 

V
Cachorro que late em seu quintal
Au, au, au no seu quintal.
Quem tem seus amores longe
Dam, dam, dam sinhá (bis). 

VI
Chuva choveu sabiá, na beira mar
sabiá, vem ver seu ninho
sabiá, pra não molhar (bis). 

VII
Fui no mato panhar coco,
pra matar a minha fome,
lá do mato respondeu,
coco verde não se come,
oi coco verde não se come (bis).

Dam, dam rim, dam, dam. 

VIII
Meu patrão brigou comigo,
mas não foi por coisa à toa,
foi porque eu fui buli,
no tinteiro da patroa.

Oi guirro, guirro, guirro lá (bis). 

IX
Seu delegado não me prenda,

Não me leva pro quartel,
eu não vim fazer barulho,
vim buscar minha mulher. 

X
Esse irmão vai pagar 

XI
Esse irmão já pagou
Dam, dam, rim, dam, dam. 

XII
Homem que tem dinheiro
Deita na cama e carinho nele.
Carinho nele, carinho nele.
Dam, dam, rim, dam, dam. 

XIII
Homem que não tem dinheiro
Deita na cama e porrete nele.
Porrete nele, porrete nele.
Dam, dam, rim, dam, dam.


XIV
São Pedro e São Paulo, São Bartolomeu,
São Pedro e São Paulo, São Bartolomeu
esses homens de agora, é pecado meu (bis).

Senhor me desculpe que estou muito aflito
Senhor me desculpe que estou muito aflito

Lidando com a festa de São Benedito. 

XV
Qua, qua, qua amor.
Qua, qua, qua amor tem perigo tem.
Tem, tem, tem perigo tem. 

XVI
Qua, qua, Qua, minha nega,
qua, qua, qua, qua

Qua, qua, qua, minha nega,
qua, qua, qua, qua.

Seu eu soubesse que tu vinhas, minha nega,
dava um dia maior, minha nega
dava um nó na fita verde, minha nega
outro no raio do sol. 

XVII
Eu queria ser rolinha, minha nega,
rolinha do sertão, pra mim fazer
meu ninho, dentro do seu coração.

Não precisa ser rolinha, rolinha do sertão,
o seu ninho já esta feito,
dentro do meu coração.

Dam, dam, rim, dam, dam.


XVIII
Olha lá a umbigada,
que Sabino mandou dar (bis).

Sabino não pôde vir
mandou eu no seu lugar,
é por isso que estou aqui,
eu vim representar.

Sabino diz que umbigada
não tem ofensa nenhuma,
quem não tem mulher aqui
dá umbigada em mulher de qualquer um.

Olha lá a umbigada
que Sabino mandou dá.

Dam, dam, rim, dam, dam. 

XIX
Lá no pé da bananeira, tem
marimbondo sinhá (bis).
tem em cima tem sinhá.

Tem em baixo e tem em cima
tem marimbondo sinhá.

Lá no pé da bananeira,
tem marimbondo sinhá.

Dam, dam, rim, dam, dam. 

XX
Bem-te-vi bateu asa,
bateu asa e avuou.

Bem-te-vi bateu asa,
bateu asa e avuou.

Quando tu for embora,
Dê lembrança meu amor (bis).


XXI
Eu vou embora e não volto mais aqui,
Eu vou embora e não volto mais aqui,
eu vou morar na mata onde canta a juriti,
eu vou morar na mata onde canta a juriti.

Dam, dam, rim, dam, dam. 

XXII
Adeus passarinho, adeus passarinho,
Adeus que eu já vou se embora (bis).

Dam, dam, rim, dam, dam. 

XXIII
Urra mutum, mutum não quer urrar
Urra mutum, mutum não quer urrar

U, u, u, u, u

O milho da minha roça mutum não come mais
O milho da minha roça mutum não come mais. 

XXIV
Morena, morena seu amor já foi embora
Morena, morena seu amor já foi embora

Seu retrato me consola, moreno
Deixa ele que vá

Seu retrato me consola, moreno
Deixa ele que vá

Dam, dam, rim, dam, dam. 

XXV
Filha da Antônia pariu
Não sabe se é fêmea ou se é macho.

Filha da Antônia pariu
Não sabe se é fêmea ou se é macho.

Bem embaixo, sinhá, bem embaixo
Bem baixinho, sinhá, bem embaixo.

Bem embaixo, sinhá, bem embaixo
Bem baixinho, bem baixinho.


XXVI
Quem nunca viu Dorotéia
É coisa de admirar

Quem nunca viu Dorotéia
É coisa de admirar

Com sua saia de chita
Camisa seu natural.

Bem embaixo, sinhá, bem embaixo
Bem baixinho, sinhá, bem embaixo
Bem embaixo, sinhá, bem embaixo
Bem baixinho, sinhá, bem embaixo. 

XXVII
Lá no pé da serra eu deixei meu coração
Lá no pé da serra eu deixei meu coração
Saudade eu tenho de morar no meu sertão.

Na minha casa eu trabalho noite e dia
No meu ranchinho tinha tudo o que eu queria
Na minha casa eu trabalho noite e dia
No meu ranchinho tinha tudo o que eu queria

O xote é bom para dançar
Minha cabocla dança xote sem parar,

O xote é bom pra dançar
Minha cabocla dança xote sem parar.


XXVIII
O que tem seu Mané
Que eu não posso entender

O que tem seu Mané
Que eu não posso entender.

Dá cozido não qué seu Mané
Tudo o que é cru qué comer,
Dá cozido não qué seu Mané
Tudo o que é cru qué comer.

Dam, dam, rim, dam, dam. 

XXIX
Tu eras quem me dizia
Tu eras quem duvidava
Que no fim de nosso amor
Tu eras quem me deixava

Dam, da, rim, dam, dam. 

XXX
Morena quem te contou
Que esta noite serenou
Deitado no seu colo
Sereno não me molhou.

9 comentários:

  1. Parabéns Mário, pelo belo trabalho...

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  2. Maravilhoso, registrando nossa cultura e história.
    Grata por isso Mário e equipe.

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  3. Tudo muito bonito! Este importante trabalho precisa ser divulgado.
    Lúcia.

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  4. Algumas musica tá errada e faltando parte mas mesmo assim eu gostei

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  5. A cantiga XVIII, minha vó sempre cantava fazendo nosso almoço, foi um dos motivos de estar aqui, pela busca no Google. Gostaria de saber mais sobre essa cantiga, poderiam me dar origem., cultura???

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