segunda-feira, 9 de maio de 2011

A Festança de Vila Bela (1ª parte)

Dona Lidia dançando o chorado (In memoriam)

A Festança de Vila Bela, também chamada de Festa do Congo, é uma celebração religiosa Católica anual, com duração média de 10 dias. Considerada pela população tradicional como uma festa do povo negro para celebrar os santos, em especial, São Benedito.

A Festança consiste no ajuntamento de várias festas de santos, que anteriormente ocorriam em datas próprias. É o conjunto das festas do Divino Espírito Santo, Festa do Glorioso São Benedito e Festa das Três Pessoas da Santíssima Trindade, que ocorrem no tempo de uma semana, sequenciadas, sem interrupções.

Esta “aglomeração” de festas teve início a partir da transferência da capital de Mato Grosso para Cuiabá (1835). Praticamente despovoada, Vila Bela da Santíssima Trindade foi abandonada pelos portugueses e brasileiros brancos.

Dona Ambrozina de Brito carregando a coroa do Mastro do Divino

Negros forros, livres, escravos velhos e escravos fugidos, além de escravos incumbidos de zelar por algum patrimônio de seus senhores, permaneceram na ex-capital semideserta.

Os padres que garantiam alguma segurança espiritual e os soldados que guarneciam a fronteira com os espanhóis também se foram.

Os índios Nhambiquaras, Paresi e outros, voltaram a incursionar pelo antigo território, agora “patrimônio” de Vila Bela. Atacavam os negros, suas roças e criações e roubavam suas mulheres. Os habitantes de alguns antigos arraiais de mineração, como São Vicente; Pilar; Santana; Ouro Fino e outros, pressionados pela completa insegurança e precariedade da situação, começaram a se transferir para a cidade de Vila Bela, ocupando casarões vazios, trazendo seus santos padroeiros, abrindo roças em mutirões solidários, fundando inúmeras comunidades rurais negras, principalmente na beira dos rios Alegre e Barbado.

Manoel Frazão de Almeida (In memoriam) antigo Presidente da Irmandade de São Benedito

A comunidade negra se formou, com quatro famílias predominando: Leite de Brito; Profeta da Cruz; Ferreira Coelho; Leite Ribeiro.

Os vilabelenses começaram a revidar os ataques dos índios, destruindo malocas, roubando crianças e consolidando seu território.

Comemorando os santos padroeiros com rezas e ladainhas, aguardando as raras visitas dos padres franciscanos de Cáceres. Quando o padre visitava a Vila Bela, vinha montado, com grande esforço, levando um mês para chegar, ficava outro mês celebrando casamentos, crismas, batizados e missas.

A comunidade negra afluía para o espaço urbano já em deterioração, todos querendo celebrar seus santos sob a benção do padre.

O povo negro se manifesta dançando e cantando: o Congo, a Dança do Marujo e a Luanda, a Dança do Tambor, o Batuque e o Chorado. Daí surgiu a Festança de Vila Bela, que se repetia a cada retorno do padre. Às vezes ele fica nove anos sem aparecer, às vezes seis anos, às vezes quatro anos, mas quando ele chegava, toda a comunidade se reunia e celebrava com fartura e simplicidade.

A comunidade era pequena, as roças generosas, carne de boi, porco, galinha, peixe e caça eram fartas. A pinga era feita nos sítios, o vinho de açaí vinha da mata, os biscoitos de ramos, a chicha e o aluá, os licores e chás de plantas aromáticas.

Reza Cantada na Festa de São Benedito

À noite rezas cantadas nas casas dos festeiros, depois bailes de sanfona, cururu, siriri ou batuque, o chorado nos quintais...

A oportunidade de todos se reunirem, o surgimento de namoros e casamentos, o encontro das crianças, quase todos parentes, a troca de informações e favores.

A Festança se transformou no ponto de aglutinação da comunidade negra pobre, simples, dona de uma fé ardente, apegada às suas tradições singelas.

Atualmente, é composta pela Festa do Divino Espírito Santo ou Senhor Divino, com a peregrinação da esmola do Divino; Festa do Glorioso São Benedito, com a participação do Congo e do Chorado e a Festa das Três Pessoas da Santíssima Trindade. As três festas são organizadas pelas respectivas Irmandades, por festeiros escolhidos anualmente através de convite, sorteio, ou oferecimento espontâneo para pagamento de promessas.

Thiago de Oliveira Coelho, Capitão do Mastro do Divino Espírito Santo

As principais características da Festança são o fervor religioso, a devoção aos santos, a obediência e sujeição às regras das irmandades, a distribuição gratuita de alimentos e bebidas, a alegria e a tranquilidade reinante na cidade, a solidariedade e a oportunidade de reconciliação entre os membros da comunidade.

“...sinhá Rainha está sentada / Sem intenção de se alevantar / Sinhô Rei vamos embora / Sinhô Juiz mandou chamar”. Trecho de música do Congo que é cantado para a Rainha e o Rei de São Benedito após a Missa solene.

As atividades complementares da celebração são: peregrinação da esmola do Senhor Divino / as rezas cantadas nas casas dos festeiros / mutirões para a produção de alimentos (biscoitos e bebidas diversas, linguiça e carne seca) / levantamento dos mastros / alvoradas dançantes ou festivas / queima de fogos / missas solenes / almoços e jantares comunitários / apresentação do Congo / apresentação da Dança do Chorado / procissões ou cortejos dos festeiros / sorteios e escolhas dos festeiros pelas irmandades / bailes.

Leopoldo Frazão badalando os sinos

Texto e fotos: Mario Friedlander

 

Fonte:
A Festança de Vila Bela da Santíssima Trindade - Mato Grosso
Mario Friedlander
Inventário Nacional de Referências Culturais
IPHAN
Ministério da Cultura
Cuiabá, Dezembro de 2001

6 comentários:

  1. Parabéns Mário... voce com a sua competência, está conseguindo projetar nossa querida Vila Bela para o Mundo... Obrigado por tudo... Abraços...

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  2. Estive presidente do Fórum das Entidades Negras de Vila Bela da Santíssima Trindade por quatro anos, e durante este período as entidades se mobilizaram em torno deste projeto "Inventário Nacional de Referências Culturais" . Triste ver agora, pessoas se apoderando do empenho e dedicação de um grupo.

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  3. Triste ver pessoas acusando outras sem nenhuma razão, este trabalho sobre a Festança de Vila Bela foi o primeiro trabalho sobre o Patrimônio Imaterial realizado para o IPHAN em Mato Grosso, isso foi em 2001, mas qualquer dúvida é só procurar o IPHAN.

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  4. MARIO COM SUAS FOTOS VC FAZ AS PESSOAS VALORIZAREM A BELEZA NA SIMPLICIDADE, ISSO É MARAVILHOSO NO MUNDO DE HOJE, LEVANDO ESPERANÇA E VALOR A ESSAS CULTURAS.

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  5. Mario, super importante esse inventário e o registro que tu fizestes! Trata-se de um valioso legado para as gerações futuras e pra gente que é do paralelo 30! Continue! Abraços.

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