segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Narrativas de Viagem

De Santa Cruz a Cochabamba


Estamos preparando a viagem para Cochabamba, fomos comprar as passagens do ônibus ou “flota”, como dizem por aqui, saímos do agitado Terminal Bimodal, de onde chegam e partem ônibus e trens em várias direções, inclusive no rumo do Brasil, até Quijarro ou Porto Quijarro, que fica muito próximo a Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Pegamos o ônibus noturno assim chegaremos bem cedo em Cochabamba, que fica a cerca de 400 km de distância de Santa Cruz pela estrada nova de asfalto.

A partida foi bem agitada e um pouco tumultuada, como quase tudo por aqui. Sempre tem muita gente por todo lado e a desorganização e falta de informações claras faz com que o viajante tenha que redobrar sua atenção, inclusive em relação a sua segurança pessoal e de sua bagagem.

Muitos vendedores ambulantes, principalmente de comidas e bebidas se misturam aos passageiros e funcionários das empresas de transporte, facilitando a aquisição de alimentos e atrapalhando o deslocamento das bagagens e passageiros embarcando e em trânsito, mas as coisas fluem desse modo na Bolívia e se você quiser viajar com tranquilidade, segurança e conforto, vá de avião ou não vá.

A viagem foi tranquila, poucas paradas, quase nenhum frio e o ônibus lotado com pessoas dormindo no corredor. Chegamos em Cochabamba ao clarear do dia, assim pudemos ver as milhares de casas que aos poucos ocupam todos as montanhas em redor da vasta cidade.

Cochabamba sempre foi um lugar importante por apresentar imensas planícies férteis em meio a uma extensa região de cordilheiras, esses vales sempre foram usados para a produção de alimentos e Cochabamba pode ser considerada como um dos mais importantes celeiros da Bolívia. A principal atividade econômica continua sendo a agricultura, desenvolvida pelas famílias e comunidades locais, que cultivam centenas de diferentes espécies de valor culinário.

Mulheres vendendo duraznos (pêssegos)

Assim, existe uma predisposição de se ocuparem as encost eas de morros para que se conserve um pouco da planície e também pelo alto valor dos terrenos uma vez que a cidade tem se desenvolvido muito nos últimos anos. O comércio de produtos variados, desde produtos agrícolas e condimentos até eletrônicos, artesanato, vestuário, calçados e todo tipo de coisas, é muito desenvolvido aqui e ajuda a manter a economia acelerada. O Mercado de La Cancha é um mercado público gigante, que funciona nos finais de semana, abrange dezenas de ruas e milhares de pessoas, além de englobar o comércio formal e ambulante e as muitas galerias e shoppings, tudo formando um bloco aparentemente infinito de comerciantes e seus produtos.

Comércio e serviços nas ruas de Cochabamba

La Cancha tem sido apresentado como o principal atrativo turístico da cidade e fomos lá no sábado à tarde para conferir e documentar. Realmente, ficamos surpresos e fascinados, passamos a tarde inteira vasculhando La Cancha e nem sequer conseguimos ver uma parte significativa do mercado, só não o documentamos pois ficamos com receio de chamarmos a atenção mais do que normalmente já fazemos.

Aos olhos dos bolivianos somos gringos, turistas, estrangeiros e sair em meio aquele caos de dezenas de milhares de pessoas, com equipamento fotográfico, não nos pareceu uma ideia segura ou sensata. Mas La Cancha pode realmente ser considerado muito mais que um atrativo turístico: com a extraordinária diversidade de produtos naturais, artesanais e industrializados oferecidos, assim como as possibilidades de degustação culinária e principalmente a diversidade étnica da população local e dos visitantes regionais, foi até agora um dos pontos altos da viagem.

Estamos a cerca de 2.800 metros de altitude em Cochabamba e numa região de encontro de ecossistemas amazônicos e andinos, o clima é bem agradável e não sentimos nenhum efeito nocivo da altitude. A parte histórica da cidade é muito interessante, especialmente a arquitetura colonial espanhola, muitos atrativos históricos, culturais e turísticos estão disponíveis na cidade e em seus arredores.


Vista da Cidade de Cochabamba

Arquitetura espanhola


Viemos aqui para continuar a rota terrestre ao Pacífico e também para visitar um local especial, Inkallajta, “A Morada do Inca” a maior ruína incaica da Bolívia e a segunda maior da América, ficando atrás só de Macchu Pichu, no Peru. Para isso procuramos o Departamento de Turismo e para nossa sorte, tivemos um amistoso e fecundo encontro com Dom José Cerruto – Diretor Departamental de Turismo do Gobierno Autonomo Departamental de Cochabamba.

Ele nos recebeu, ouviu nossas propostas de viagem e nos apresentou uma versão nova das paisagens de Cochabamba, assim como de sua função geopolítica desde o período da dominação incaica. Passamos mais de três horas ouvindo atentamente uma série de dados completamente novos sobre tudo, até sobre a aparentemente consagrada função militar de “Fortalezas” incaicas como Samaipata ou Inkallajta, que na verdade, conforme Cerruto, seriam centros de administração do Império Incaico, visando a consolidar e dinamizar a produção sofisticada de milho e coca, produtos de maior valor que ouro ou qualquer outra coisa e que mantinham o equilíbrio político e fiscal de todo o império.

Também seriam centros de compartilhamento e de reunião de etnias provenientes de todas as diferentes e distantes partes do império incaico, que aqui teriam as condições ecológicas ideais para a exploração de diversos recursos naturais disponíveis como em nenhum outro lugar da América, sem falar na fertilidade e no clima perfeito para o desenvolvimento da agricultura em topografia plana em meio aos Andes, como não existia em nenhuma outra região do antigo império.

Ficamos impressionados com tantas teorias novas e com a capacidade de raciocínio e conhecimento teórico e prático de Dom Jose Cerruto, marcamos uma visita a Inkallajta e fomos aproveitar o tempo para visitar e documentar um pouco do imenso patrimônio de Cochabamba.

Mario Friedlander

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